terça-feira, 16 de outubro de 2012

Pausa para o chá


Ela parou o que fazia ao olhar através da vidraça sobre a pia da cozinha, duvidando do que seus olhos enxergaram. A água continuou escorrendo sobre a pouca louça acumulada na bacia, e a xícara que tinha nas mãos escorregou, espatifando-se sobre um prato de sobremesa. O barulho fez com que olhasse para baixo, fechando a torneira devagar, olhando com atenção em demasia, como se precisasse de toda a concentração do mundo para girá-la até o fechamento. Após segundos que pareceram séculos, levantou novamente os olhos em direção à rua, e ele continuava lá. O par de olhos verdes e risonhos que a tinham perseguido, através de lembranças, por tantos anos continuavam os mesmos. A pele em volta tinha rugas, e os cabelos não eram mais negros, sim quase todos brancos – o que, por incrível que pareça, fazia com que ele parecesse muito mais atraente do que jamais fora aos vinte anos, tanto tempo atrás. A pele estava bronzeada, como a de alguém que vive uma vida saudável ao ar livre, e mergulhando em seus olhos ela precisou se apoiar com as mãos para não desabar. Um tremor frio tomou conta de seu corpo, e o estômago se contraiu como que sentindo um golpe forte, seco, direto.
Ficaram se olhando por momentos que pareceram maiores do que os anos todos que se passaram depois que ele disse “meu bem, vou comprar cigarros enquanto você se arruma, volto já”, beijou sua boca macia sempre sedenta dele e nunca mais apareceu. Ela perdeu as contas das vezes em que, tomada pela saudade e preocupação, soluçava até perder o fôlego, entregue ao desespero da falta de notícias – e de repente o pranto se tornava gargalhada histérica, com a consciência, sempre inédita, do clichê. “Saiu para comprar cigarros e nunca mais voltou”, isto parecia drama de radionovelas antigas, e não roteiro de vida real. Da sua vida real. Mas havia acontecido consigo, e roubado o sentido de sua existência. Melhor, havia substituído o sentido de sua existência, que antes era o amor absoluto ao homem que estava parado lá fora, por angústia perene e sofrimento sem fim.
Viúva de marido vivo, diziam as más línguas, ainda que não nunca houvesse chegado sequer uma notícia dele pelo vento, pelo telefone, pelos noticiários. Viúva virgem de marido vivo, aquela que se manteve casta durante todo o namoro e noivado, ardendo em fogo de desejo mas se guardando para a noite de núpcias, que havia de ser como sonhara, perfeita, seu príncipe encantado, o homem ideal, guiando-a na descoberta dos prazeres da carne; e que virgem se mantivera depois que ele, na noite mesma do casamento, desaparecera sem deixar rastros ou vestígios, sem explicação.
Mergulhada nos olhos dele através do vidro imaculadamente limpo, relembrou tudo o que viveu e o que deixou de viver por ele. Mais ainda, sentiu de novo a dor, imensurável e inexplicável, que a movia dia a dia em direção ao futuro, do qual não conhecia sentido. Fizera bem em nunca se mudar, pensou, contrariando o que sempre aconselharam os amigos, que sugeriam que se afastasse da casa que haviam comprado juntos e onde juntos haviam planejado a felicidade conjugal; que se ausentasse das lembranças suscitadas por ela. E agora, ele finalmente retornara para casa.
Lentamente enxugou as mãos no avental e arrumou os cabelos, num gesto natural e um tanto coquete que usava como defesa para ganhar tempo quando se sentia perdida, acuada, ameaçada. Inconscientemente levou as mãos à boca, e só aí ele se colocou em movimento agilmente, com grandes passos até o portão lateral coberto pela hera, que abriu num gesto rápido, subindo os poucos degraus até a porta da cozinha, que sempre ficava aberta. Em segundos estava ali, à sua frente, arfante, mergulhado em seus olhos, buscando adivinhar o que quase meio século de sua ausência haviam feito com ela, lendo nas rugas da face os efeitos do tempo e de sua falta.
Ela queria gritar, gritar, gritar. Queria socá-lo, agredi-lo, queria ver seu sangue correndo pelo chão da cozinha, uma mancha viscosa se se espalhando devagar, indelevelmente. Queria que ele levasse tanto tempo para morrer quanto ela levou lamentando seu destino incerto; queria que além de lenta fosse dolorosa a sua morte; e queria ser ela o arauto a anunciar sua chegada, e de cuja presença ela gozaria cada momento com a intensidade dos gozos sexuais que nunca tivera. Seus olhos não traíram o ódio profundo e absoluto que substituíra o amor no átimo em que o vira ali, lindo, saudável, atraente. Inteiro. Seu amor fora cultivado apenas pela certeza de que ele havia sofrido algum acidente, fora abduzido por alienígenas, havia sido assaltado, morto e sepultado em local desconhecido. Por mais que dissesse às pessoas que alimentava a certeza de que ele vivia em algum lugar desconhecido, e que tinha a (vã) esperança de que um dia retornaria, ela mesma não acreditava nisto e se dedicara a alimentar a fábula da viúva virgem que se tornara o mote de sua existência, então.
Uma vez ele havia roubado sua vida, seus planos, seus sonhos. Agora que ela já não era jovem, que já havia construído para si outra vida, pacata e sem surpresas, não permitiria que ele a roubasse novamente. Abriu os braços num gesto de acolhimento, e ele se jogou sobre ela, abraçando-a , envolvendo-a com seus braços ainda fortes e viris, e seu cheiro invadiu de chofre seus sentidos. Não, não fraquejaria. Ela não queria mais saber o que havia acontecido, ela não queria mais surpresas, ela não queria mudar de novo sua vida por causa dele. Afinal, havia aprendido a transformar a dor e o vazio em um tipo de prazer, ainda que meio mórbido – e estava contente em viver assim, finalmente. Era conhecida por ser a “viúva virgem”, e havia alimentado por tanto tempo esta imagem que não permitiria que ele agora, sem quê nem porquê, virasse seu mundo de novo de pernas pro ar. Esticou as mãos e alcançou a faca de açougueiro sobre a pia, que sempre trazia muito bem afiada para os cortes de carne, e com ela desfechou o primeiro golpe. Sentiu seu abraço se afrouxar, e ele se afastou olhando incrédulo para ela, o verde dos olhos refletindo o vermelho do seu ódio. Outro golpe, e mais outro, e ainda mais um e ele estava no chão, o sangue se espalhando como ela imaginara. Largou a faca na pia, encheu a chaleira e pôs a água para esquentar. Tomaria uma xícara de chá quando acabasse a limpeza da cozinha.

sábado, 22 de setembro de 2012

Vinte e cinco
















Assistindo um capítulo da primeira temporada de Criminal Minds.
Gideon faz um lista com 25 coisas para realizar antes de morrer.
Pensa que deve fazer a sua também...  começando por escrever um livro.

A vida é curta, lembra.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Contradição

Se sonhas ser feliz,
não sonhe mais.
A felicidade é fugaz
como nuvens que,
contrariando o que pensas
não são feitas de algodão.


Sonha, sim, o teu sonho.
Busca-o. Só ele vale a pena.
Sabes, tua alma é imensa.
Contradigo-me a cada momento.
Não são assim os sentimentos?

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Tentação

Você brinca de me provocar,
faz promessas com o olhar.

Mas na hora do vamos ver,
do pega pra capar,
sorri com quem nada fez,
nada quer, nada sabe...

e me deixa com água na boca,
querendo você.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Rotina

Tua mão sabe a textura da minha pele,
conhece os camnhos do meu prazer
e as respostas dos meus mistérios.

E este amor conhecido é, sempre,
uma nova descoberta...

O sabor do teu beijo traz à tona
o desejo oculto,
e sacia a fome que me devora.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Dependência

Teu sorriso
amplo e irrestrito
vaza pelos olhos
pura poesia.

Teu sorriso é ópio,
cocaína, heroína.

Quero uma overdose
deste vício.

Morrer de você.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Declaração (sem razão)

Descubro que te amo...

E o aconchego deste amor é algo que transcende a realidade.
Instalou-se e permanece, inatingível, em meu íntimo.

Como nominar este sentimento?
Pode-se quantificar os grãos de areia,
a água do mar,
as estrelas do céu?

Assim o que sinto.

Intangível, apesar de tão real
quanto a luz que origina o arco íris.

Amo-te de um amor calmo,
aconchegante,
que quer e pede colo,
que acolhe, abriga e protege...

Amo-te de um amor claro e luminoso,
alegre,
livre e divertido,
que faz rir e faz feliz...

Amo-te ainda de um amor delicado,
que pede flores,
acende velas,
providencia músicas e aromas  no ar...

E quer sua companhia amiúde,
amado,
para em gestos sutis e apaixonados,
poder se revelar.

Não obstante, amo-te de um amor selvagem
fera no cio,
que morde e delira,
todo pele e cheiro e sentidos
e não se contenta
em não se fartar...

Amo-te de muitas maneiras
e, enfim, de uma só.

Amo-te um amor que não pede
razão de existir e
não busca explicações.

É, somente.

E fim.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Sentença

Falar de amor nem sempre
- quase nunca - 
é fácil.

O "eu te amo" não é fácil verbalizar.

Muitas vezes dizemos
como os olhos,
com gestos,
cuidados.

Mas nem sempre
compreendemos
a linguagem
sutil
que o outro usa.

Por isto, sem mais delongas,
encarei esta batalha que,
vencida,
me permite verbalizar o sentimento:

amo você.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Do fundo do baú















A noite toda,
olhos abertos na escuridão,
uma imagem na retina,
várias lembranças no coração.

Seu corpo, encaixe perfeito do meu.
Seus gestos, respostas precisas aos meus.
A coreografia que, sem ensaios,
evolui em movimentos harmônicos
sob a canção do nosso prazer,
que orienta os sentidos
na balada que nosso desejo entoa
e que fala, muito além do desejo,
da alegria que é amar você.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Goteira
















Dia a dia
ouves o som
não identificado
que incomoda.

No silêncio
pensas reconhecer
o ruído.

Não busque a origem.

Sou eu,
esvaindo-me aos poucos
do meu coração.


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Brincadeira











O poema brinca
na cabeça do poeta.

Vai, vem,
traveste-se de insensatez.

Brinca com sua forma,
pura fluidez.

Cansa-se.

Desaba sobre o papel,
inacabado.


terça-feira, 10 de julho de 2012

Kamikaze

                                  O
                                voo
                             rasante
                         da memória
     sobre dias que se perderam no tempo.
   O voo  suicida de  quem se perdeu de si.
 O voo desatinado da solidão, inconcebível,
                         imensurável,
                          no meio da
                            multidão.
                            O último
                                voo
                          é kamikaze.

(da série *do fundo do baú em madrugada insone)

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Do fundo do baú

A saudade
do tempo
anterior
à consciência
de mim mesma
bate forte
dolorida
descompassada.

A tristeza
do perdido
do inatingível
do vazio
invade, súbito.

A incerteza
do futuro
dói n'alma.

A solidão assusta.

Tesão















Vontade de te abraçar,
aconchegar,
roçar, de leve, teu ouvido
com a língua
e descer os lábios.

Te descobrir a nuca,
morder o pescoço,
teu peito,
fazer cócegas
no teu umbigo.

Sentir tua perna
nua
na minha
entrelaçadas
teu corpo colando ao meu.

Um beijo molhado,
lascivo, indecente,
despertar os sentidos,
incitar o desejo.

Explorar teu corpo
e me deixar explorar.
Explodir o amor.


Do fundo do baú












Tarde vai a noite.

Cedo chega o dia.

Revolvo nos lençóis

o seu vazio.

sábado, 7 de julho de 2012

Traço
traços
sem sentido.

Troco
passos
sem sentido.

Tanto
espero
seu sentido.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Do fundo do baú

Ouço o som
dos passos
além da porta.

Coração na mão
vislumbro
o vulto.

Psiu!

Vem baixinho
para não despertar
meus medos
e assim
possuir o melhor
de mim.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Do fundo do baú

Tanto
tempo
sem te ver

tanto
tento
esquecer.

Tanto
tato
perdido

tentando
despertar
seu sentido

e nada.





quarta-feira, 4 de julho de 2012

Pergunta















Que sentimento danado de arretado é este,
me diga,

que me invade sem cerimônia, se abanca,
dono do pedaço e, ainda por cima,

pede um cafezinho?

Do fundo do baú

Um tempo
além
do tempo.

Um tempo
aquém
do fim.

Um tempo
sem
sentido.

Um tempo
sem
amor.

(*resgates)

Do fundo do baú...

Espero um amor
que me pegue
com gana
me jogue na cama
me faça delirar.

Quero um amor
de mãos rudes e doces
barba por fazer
que me ponha no colo
me arranhe inteira
me deixe dormente
de tanto prazer.

Mas veja bem, este amor
que entorpece
entontece
desvaria

este, que espero

tem que ser também
um amor
assim delicado
como na música de Caetano.

Porque o amor,
ah, o amor!

não tem fórmulas prontas:
agora é assim,
te pego no colo
te afago, te beijo,

depois é assado,
a pegada aquela do desejo
repentino
represado
explodindo.

O amor, meu bem,
não tem receita.

E o amor que desejo
é assim, inconstante,
irreverente,
inesperado.
Ousado e delicado,

Um amor sem fórmula pronta
que me conquiste
me domine
domestique a fera
que há em mim

e também
me aconchegue
me envolva
me afague
me proteja.


(Madrugada insone, fazendo faxina em papéis. Encontro uma pasta com algumas folhas escritas, coisa antiga, de quando não sei. Leio curiosa, e nem tudo acho que vale a pena. Mas não quero perder, é o que escrevi. Salvando aqui.)

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Memórias


Ela amava os sons matinais.
Acordava muito cedo, antes ainda do que a avó, e ficava olhando o escuro enquanto a luz 
entrava, aos poucos, pelas frestas da janela de madeira. Esta escuridão, a do amanhecer, eramuito diferente daquela que, ao anoitecer a enchia de medo de que houvesse, sob a cama,
um monstro disforme pronto a agarrar seus tornozelos assim que colocasse os pés no chão.
Esta era prenúncio de luz, e ia se dissolvendo aos poucos diante de seus olhos, sob o som dos pássaros que cantavam no quintal cheio de árvores e a expectativa de um novo dia todo seu para descobrir coisas novas. 
Quando a avó se levantava e saía do quarto arrastando os chinelos pelo assoalho de tábua 
corrida, cuidadosamente encerado e polido com escovão pela tia, acompanhava seus 
movimentos pelo som. Ouvia-a pegar o penico que ficava sob a cama, do lado do avô, e 
descer os dois degraus para a copa, passando pela cozinha e abrindo a porta para jogar no 
banheiro, que ficava lá fora, o líquido dourado de cheiro forte.
Ouvia o papagaio, que era o xodó da avó, feliz, “olha o dia, dona Maria, louro quer biscoito, 
louro quer biscoito” e a avó, igualmente feliz, respondendo com afagos na sua cachola e 
dando o biscoito pedido.
Ouvia quando ela colocava lenha no fogão de cimento vermelho da cozinha, ajeitando os 
pedaços de madeira sob a chapa de ferro onde a neta amava assar pedaços de queijo fresco. Ouvia quando assoprava com a tampa do caldeirão para o fogo se acender – e podia 
mesmo vê-la amarrando o cinto do roupão comprido enquanto ia até a porta da sala pegar o 
leite e o pão fresquinho, deixados ali há pouco pelo padeiro, fornecedor de longa data e 
confiança, voltando para a cozinha e colocando o leite grosso, recém tirado, para ferver. 
Ouvia então seus passos até a porta do quarto, colocando a cabeça para dentro, “acorda 
menina, já é hora!”, e voltando para o quarto onde o avô, nesta altura, já estava pronto para o dia.
Adorava ouvir, através das paredes de madeira, a primeira conversa dos dois, “Maximiano, 
não dormi bem esta noite”, ou “Maximiano, que barulho foi aquele de madrugada?”, coisas cotidianas de um casal há muito tempo juntos. 
Só quando a avó gritava de lá, “Lucinha, levanta logo! Eita, Maximiano, você mima demais 
esta menina, a preguiçosa ainda não levantou”, é que ela pulava da cama e começava a se 
arrumar, o que fazia sem muita demora, logo descendo saltitante, vestida com o uniforme da 
pré escola, jardineira verde bordada no peito, blusa com renda no decote, sapato boneca, meia combinando. Invariavelmente a avó encontrava alguma falha para corrigir, “menina, arruma esta gola”, “não penteou o cabelo direito”, “olha este olho cheio de remela!”. 
Feliz, se aboletava à mesa de madeira polida forrada com toalha azul de algodão, e enchia a caneca branca de ágata com o leite fumegante, colocando uma generosa colher de Toddy, 
“olha isto, Maximiano, por isto que o Toddy não dura muito, ela não toma leite com Toddy, 
toma Toddy com leite!”, “deixa a menina, Maria, ela gosta”, respondia o avô cheio de 
paciência e infinito amor no olhar.
Pegava um grande pedaço do pão bengala e passava a manteiga feita pela avó com a nata 
que tirava do leite, manteiga saborosa e amarelinha, e comia com gosto. Este era um dos 
melhores momentos do dia, sentada na cozinha, ouvindo a lenha crepitante no fogão, sentindo o cheiro do café, o louro encarapitado na meia porta de madeira, tomando seu leite com 
Toddy e comendo pão com manteiga, sob os cuidados dos avós. 
Sempre pegava mais um pedaço, a avó protestando “menina, chega de pão, você vai ficar um balão!”, e a defesa do avô, “deixa a menina comer, ela gosta”, precedidas de sua afirmativa 
diária, “quando eu crescer vou ganhar sozinha na esportiva – e vou comprar todo o leite com 
Toddy do mundo, e todo o pão com manteiga, e comer o tanto que eu quiser!”.
Terminava o café e lavava o rosto, nem sempre escovando os dentes, não eram hábitos 
cotidianos naquela época, dava um beijo no avô, dava um beijo na avó, pedia sua benção e ia, escoltada pela tia, para a pré escola onde a “tia Belinha” a esperava, sempre, no portão com sorriso e carinho enormes. 
A vida era tão boa aos seis anos de idade!

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Eu, leão.



"Eu, leão, todo emoção, cheio de razão.
Eu posso, eu faço, eu aconteço.
Tá com medo?
Vem cá, repousa na minha a tua mão.
Encosta em meu ombro, descansa no meu regaço
- meu colo é porto onde acolho os amigos,
aqueço seu frio, ilumino suas sombras.
Eu, leão, dono de mim.
Cheio de razão, eu, leão.
Posso, faço, aconteço.
Protejo, guardo, revolvo segredos,
removo montanhas, resolvo problemas.
Eu, leão.
Dono de mim.
Eu, felino, cheio de graça, de raça, de manha.
Eu. Leão.
E meus medos, minha frágil essência, minhas dúvidas, ah...
esses, escondo. 
Porque sou leão, sou rei, soberano, sou sábio, sou.
E não me exponho.
Eu, leão.
Fragilidade pura e absoluta.
E só quem permito penetrar minha couraça,
quem vê sob a aparência, 
só estes percebem o quanto preciso de colo,
o quanto busco abrigo, o quanto...
eu, leão."

Variações sobre o tema...




"Como água e óleo.
Eu extravagante, você discreto.
Eu cerveja, você refrigerante.
Eu falante, você calado.
Eu impulsiva, você centrado.
Eu explosão, você quietude.
Eu arco íris, você céu azul.
Eu pop rock, você samba.
Mas no encontro, a química.
Minha pele e a sua,
o contraste e o encaixe,
perfeição."

Coreografia



A vida
evita
me olhar
de frente.

De soslaio
me fita.

Assim
traçamos
os passos
desta dança.

Desenho



Passo
a
passo
traço
os
rumos
do
meu
destino.

Mesmo
que
acabe
em
desatino.

Tempo




Arde,
em mim,
o desejo.

Do que não fui,
do que não fiz,
do que, não sei.

Arde,
e me consome,
na noite insone.

É tarde.

Teia




Frágil
teia
tece
o
tempo:
rompe-se
a
qualquer
momento.

Fim


Tanto tempo
tanto senso

pra quê

se a morte
é consenso?

Baile




Bailam
ao léu
borboletas
no céu.

Rima pobre
mas bonitinha...

Poema





"Uma canção assim
cheia de rima
cheia de cor

como um dia
cheio de sol

uma canção dessas manhãs
em que a gente acorda
e tudo é simples e perfeito

uma canção assim
traz seu sorriso no nome..."

Cerrado



No coração do Brasil, me sinto só.
Sob o sol,
sob o céu,
sob as estrelas.

No coração do Brasil, sigo a buscar.
Um rumo,
um prumo,
um motivo.

No coração do Brasil, sem inspiração.
Pra escrever,
pra sonhar,
pra viver.
(05/09/07)

sábado, 14 de abril de 2012

O dia da caça

Todo ano, já em meados de março, ela planejava o que faria para pegar a mãe no primeiro de abril. E sempre era muito criativa, sem poupar grandes produções, inclusive. E era muito difícil pegá-la no jogo que ela gostava tanto, porque estava sempre antenada e desconfiada.
O tempo passou, ela cresceu, teve filhos. E esqueceu a história do primeiro de abril. Só que os filhos cresceram. E aprenderam a se divertir com o primeiro de abril - e agora, ela era o alvo.

Domingo, 1° de abril, 2012.

O celular toca e é sua filha mais velha, que mora no interior, com o filho mais novo.
"- Mãe, o Matheus precisa falar com você. Liga pra ele, ok? Mais tarde, porque agora ele está fazendo um trabalho na casa de um colega, tá?"
Ela se lembra quando já está quase dormindo, e liga para o filho, pensando que ele precisa de grana.
"- Alô, Pessoa! Tudo bem por aí?"
"- Mais ou menos, mãe."
"- O que aconteceu, amor?"
"- Então, mãe... a Fulana (ex-namorada) esteve aqui ontem."
"- E?"
"- Então, mãe... ela está grávida."
Silêncio. Engraçado como ela descobriu que consegue, sim, calar ao invés de despejar todas as palavras que lhe vem à mente quando fica indignada. Ou revoltada. Ou.
"- Mãe?"
"- E???"
"- E aí que pode ser meu."
"- Como, pode? Ela saiu com mais alguém desde que vocês terminaram?"
"- Sim, mãe. Mas pode ser meu."
Silêncio. Um silêncio mais eloqüente do que qualquer coisa que ela pudesse dizer. O filho, do outro lado do telefone, não consegue se conter diante do absoluto silêncio.
"- Mãe, a culpa não é minha. A culpa é da Paula, viu?"
"- Você engravida a menina e a culpa é da sua irmã??? Como assim, me explica???" A voz, agora, denota toda indignação que está sentindo, a vontade de dar uns tapas, ainda um menino, fazendo faculdade, sem renda própria, sem ter vivido a vida, talvez grávido!!!! Ele cai no riso, o que a deixa mais indignada ainda. 

"- Primeiro de abril, mãe!!!"

Não, ela ainda não o encontrou depois disto. Está guardando os tapas pro encontro. E anda dando tratos à bola, porque afinal, ano que vem tem abril de novo.  





"Eu já quis que o destino me surpreendesse. Quis muito!

Hoje eu só espero que ele não me decepcione." 

(Caio F. Abreu)

domingo, 8 de abril de 2012

A marmelada e o Amigo Secreto

Participo de uma "comunidade virtual": todos nos conhecemos mas nem todos nos conhecemos, entende? Estamos espalhados por todo o país, convivemos amiúde por conta de interesses comuns mas nem todos nos conhecemos pessoalmente.
No natal resolvemos fazer um amigo secreto, e calhou que tirei uma pessoa de Curitiba, onde moro - alguém muito especial, que já conhecia pessoalmente, e por quem já nutria grande carinho. Fiquei muito feliz porque, conhecendo a pessoa, pude preparar um presente personalizado e que me divertiu muito confeccionar. Além disso, tive a oportunidade de revelar-me num encontro que fizemos no Bar do Alemão, por ocasião da visita de um colega de Brasília: cheguei antes e combinei um esquema com o garçom: ele traria para ela um bilhete, e se ela adivinhasse quem era seu amigo, o garçom traria o presente... senão, entregaria o presente pra mim. O mais legal é que meu presente havia chegado pelo correio naquele dia, à tarde, e pude partilhar com o pessoal que estava no encontro. E mais legal ainda é que, quando minha amiga chegou, estava toda animada porque também ela tinha tirado alguém de Curitiba, e ia aproveitar pra entregar o presente, pediu ajuda pra fazer suspense... e foi bem divertido porque primeiro contei do meu presente, depois ela entregou o presente dele com toda a pompa e suspense... e só depois dei sinal ao meu "cúmplice" pra deflagrar meu plano, que funcionou às mil maravilhas: ela nem imaginava que era eu!!!! Foi muito divertido - sem contar, claro, que estava um grupo bem numeroso e animado.
Agora resolvemos também fazer um amigo secreto de páscoa. Ao contrário do natal, desta vez foram bem menos participantes, treze ao total (adoro este número!). E adivinha só???? Tcharammmmm!!!! Tirei a mesma pessoa, fala sério!!! Dei muita risada sozinha ao ver a fotinho dela sorrindo pra mim no site do sorteio e pensando com meus botões "ainda bem que é feito por um robô, senão iam dizer que é marmelada!!!".
Fiquei pensando como disfarçar desta vez para que ela não desconfiasse, e ainda tive a ajuda involuntária de um colega que fez um comentário no mural do grupo - e ela pensou que ele a tivesse tirado!!!! Enfim, na segunda feira estava passando em frente a uma loja quando vi uma das opções que ela tinha sugerido pra presente, entrei, vi o preço, regateei um desconto e comprei logo, pois só tinha aquele par no tamanho certo. Um pouco mais tarde, no mesmo dia, ela me liga convidando pra nos vermos na quarta no mesmo bar do Alemão (ela é psicóloga, trabalha na mesma empresa que eu e é excelente observadora, percebeu que eu andava precisando muito conversar!). E marcamos então, eu, ela e outra amiga. Na tarde da quarta feira chega o meu presente pelo correio, acredita??? Verdade!!! Pensei na coincidência e decidi revelar à noite que era eu quem a tinha tirado - mas depois pensei que era muito muito óbvio e muito igual. E fiquei quietinha, nem levei o presente pra entregar. Enquanto estávamos lá mostrei meu presente, disse quem eu achava que tinha me tirado (acertei!!!!) e de repente ela pergunta, do nada: "e você, Lu, quem você tirou???". Fiquei parada, sem reação, olhando para ela e pensando "ai, meu Deus, como assim, quem eu tirei??? Como assim???". Ela fala "ah, pode dizer, vai... nem vai fazer diferença mesmo!", no susto digo o primeiro nome que me vem à cabeça e é justamente o amigo que havia me tirado... ela acreditou.

Depois me arrependi. Pensei que, se eu tivesse levado o presente, ia ser bem engraçado se, quando ela perguntou, eu tivesse sacado o pacote da bolsa e entregue... mas não deu, né? Aí, pensando na logística para entregar o presente desta vez, já que não estaria em Curitiba no domingo de páscoa, fui até a portaria do seu prédio, aliciei o porteiro como cúmplice e deixei pra que ele entregasse no domingo de páscoa. Então é isto, Grazi. Mais uma vez tirei você, e fiquei muito feliz. Você é uma pessoa que eu gosto muito e que faz parte da constelação que ilumina minha vida. Feliz páscoa, de todo coração. É muito bom ter você fazendo parte da minha vida.

terça-feira, 20 de março de 2012

O tempo...

...é inexorável.



Mas o ruim é quando ele leva, nos seus calcanhares, sonhos.
Ilusões.
Triste é quando a pessoa pensa que, por ser madura, não pode brincar.
Não pode sonhar.
Não pode ser alegre.
Não pode.

Lembro que, quando adolescente, recebemos a visita de primos de minha mãe, bem mais velhos que ela, acho que na casa dos sessenta: Francisca, o marido e a irmã, Luzia.
Francisca e o marido eram exatamente o que se espera de um casal idoso: preferiam programas calmos, sem muito agito, ela se vestia de marrons e cores sóbrias, se movimentava e falava pausadamente...
Luzia, ah, esta me conquistou de cara e definitivamente!
A começar por suas roupas, sempre coloridas, de modelos joviais e alegres, até sua postura diante da vida, suas risadas e os passeios que gostava de fazer conosco, adolescentes.
Algumas pessoas criticavam seu jeito de ser, "ela não tinha senso".
Ainda acredito que, na verdade, ela era feliz - e estas pessoas que a criticavam o faziam por não saber como serem assim também.

Espero ser feliz como ela.

terça-feira, 13 de março de 2012

Tem dias...

...em que me sinto assim, meio mais ou menos. 
Não gosto de mais ou menos, assim como não gosto de morno.
Gosto de frio, e gosto de quente. 
Gosto de mais, e gosto de menos. 
Não gosto de mais ou menos.
Ainda bem que estes dias são raros.
Ainda bem que estes dias acabam.