segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Cenas Curitibanas

Cena 1
Sábado, Parque Bacacheri, após o almoço.
Levo meu bem, que passa férias aqui, para conhecer o parque e caminharmos um pouco. Ao estacionar passo por um grupo de jovens bebendo e ouvindo som alto, com muita algazarra, ao lado de uma placa que justamente avisa sobre a proibição de ouvir som alto, mediante risco de multa e pontos na carteira.
Entramos no parque, sol alto, e durante a caminhada passamos por um carrinho de sorvete onde mãe e filho trabalham, ela bem mais idosa, sentada a um banquinho sob o guardassol. Resolvemos parar, o calor pede um picolé. Esperando  para ser atendidos já escolhemos o que queremos. O filho entrega o picolé ao casal que ali estava, pega o dinheiro, passa para a mãe, olha para nós como quem espera o pedido. Há um adolescente impaciente acompanhado de um menino indeciso, então Ramon diz:
- Vou experimentar este aqui, de uva ácido.
O vendedor pega o sorvete e estende a ele. Incontinenti, o adolescente toma o sorvete, já na mão do meu bem, entrega para o menino dizendo:
- É este que você quer, não é?
Olhamo-nos meio abobalhados, eu, Ramon, o vendedor e sua mãe, com a atitude grosseira do garoto. Para quebrar o constrangedor da situação, brinco:
- Olha, moço, não sou mal educada não... só pedimos porque pensamos que vocês ainda estavam escolhendo.
Foi a mesma coisa que ter falado com o guardassol. Ele ignorou solenemente o que eu falei, e o vendedor disse que não, ele ainda não havia escolhido. O rapaz pediu outro picolé para ele, entregou o dinheiro para o vendedor que passou à mãe. Enquanto ela contava o troco, não me segurei:
- O senhor pode, por favor, nos dar outro picolé igual ao que ele tirou da mão do meu namorado? E para mim, um de coco.
Não minto. Fiquei com vontade de tomar a porcaria do picolé da mão do menininho, porque se o idiota do irmão aborrescente dele dava este exemplo, ele seria outro do mesmo naipe no futuro... mas me segurei.
Fomos atendidos, e a senhora pediu desculpas pela atitude do garoto - o que não tinha nada a ver, porque a má educação não foi dela. Comentamos sobre nossa surpresa com a atitude dele, e ela disse que isto acontecia com mais frequência do que imaginávamos. Continuamos o passeio um tanto indignados, mas decidimos não deixar isto interferir no nosso bom humor.

Cena 2
Terça feira, padaria da esquina, hora do almoço.
Passando apressada para um compromisso, olho pelo vidro e vejo a bandeja cheia de sonhos de nata, meus preferidos. Nenhum cliente aguardando atendimento, penso que posso perder uns minutinhos e pegar dois ou três para o lanche da tarde. Chego ao balcão, nenhum atendente. Chega logo após uma senhora, impaciente, tamborilando os dedos no balcão. Quando finalmente a atendente aponta na porta da cozinha, ela não me dá tempo e vai logo pedindo "pães franceses, os mais torradinhos, e rápido que estou com presssa". Olho para a atendente que vem logo atrás da primeira e pergunto, educadamente e em bom tom:
- Você pode, por favor, me atender?
A mulher me olha de cara feia. Peço os sonhos, ela pega o pão e vai para o caixa. No mesmo tom educado digo à primeira atendente:
- Posso dar uma sugestão? Quando chegar ao balcão e houver mais de um cliente, pergunte de quem é a vez. É simples e evita problemas.
- Ah, é que nós acabamos de chegar agora.
- Sim, eu percebi. Mas eu cheguei primeiro, estava esperando e fui atendida depois. Não estou brigando, apenas sugerindo - assim, você evita problemas. Se eu não estivesse num bom dia, por exemplo, poderia ter outro tipo de reação...
Sim, apesar de não ter gritado, falei em tom que podia ser ouvido pela senhora. Fui para o caixa e percebi que a mulher estava tremendo, falando alto junto com seu acompanhante. Só então atento que falavam de mim, para uma das duas moças do caixa.
"...este povo muito cheio de por favor e obrigado é tudo falso, babaca, cheio de se achar educado. Se não gostou, que falasse..."
Abstrai. Estava com pressa, de bom humor, e não queria, de verdade, me irritar. E bater boca com um casal desconhecido, por motivo tão banal. Sorri pra outra moça do caixa, minha conhecida (frequento a mesma padaria desde que me mudei para Curitiba há mais de dois anos) e perguntei se ela havia percebido o que aconteceu. Diante da negativa, contei. E contando, percebi que o que irritou a outra cliente foi ter se tocado, sem que eu dissesse ou brigasse, como ela havia sido mal educada.
Lembrei-me da cena de sábado, no Bacacheri. Cheguei à conclusão de que anda faltando gentileza às pessoas. Ou talvez paciência.