terça-feira, 14 de outubro de 2008

Questões que a greve me traz...



Chego à agência no meu horário, pronta para trabalhar, embora saiba de antemão que vai ser difícil em mais este dia de greve. Em frente ao prédio conversam o gerente geral, a gerente de segmento e um representante sindical. Ao lado, aparentando impaciência, uma colega da gerência média. Alguma coisa no ar me diz para não interromper, e passo por eles até a sala de auto atendimento, onde estão outros colegas reunidos.

"E aí, gente, como estão as coisas?"
"Ih, Lu, você perdeu o barraco. Fulana chamou a polícia para forçar a entrada na agência!"
"Putz, não acredito! Ela não faria isto, não é maluca!"
"Não faria? Pois fez!"

Retorno alguns passos e olho novamente as pessoas conversando lá fora lembrando que na quinta feira, primeiro dia de greve, os colegas que trabalham com Fulana há bem mais tempo do que eu afirmaram que ela furaria a greve, pois este é seu perfil, que ela não tem senso de equipe e desconhece o sentido da palavra corporação - e eu confiante a defendi, pedindo que todos lhe dessem um voto de confiança, já que ela havia dado sua palavra ao grupo. Neste dia em reunião com a administração da agência, foi decidido que seria mantido o funcionamento mínimo da agência previsto no PCI, e para tanto haveria rodízio de funcionários, estando sempre um gerente da área de atendimento pessoa física, um da jurídica, um de serviços e uma assistente rodiziando, além do gerente geral, número mais do que suficiente para tal.

Só que na sexta feira, motivado por ter saído da agência mais de dez da noite, o gerente resolveu fazer funcionar o PCI de fato, que infelizmente contempla um número inferior de pessoas que o mencionado acima, e Fulana de pronto pediu para ser convocada no lugar da gerente de segmento, que estava de licença saúde - solicitação rejeitada por todos colegas por não fazer parte absolutamente do combinado no dia anterior. Cabe registrar aqui que na quinta feira, enquanto as outras pessoas escaladas estavam fazendo o que tinha sido combinado, ou seja, contando dinheiro para manter o funcionamento mínimo do auto atendimento, Fulana estava trabalhando sua carteira, contatando seus clientes - o que foi fator preponderante para a permanência dos outros na agência até às dez da noite. Sim, porque Fulana infelizmente tem impedimentos que não a permitem permanecer até mais tarde na agência, então quem ficou para fazer a parte que ela deveria ter feito durante o dia foram os outros, claro. Neste dia então comunicou ao grupo sua decisão de na segunda feira retornar ao trabalho - diante do quê se decidiu que todos os comissionados da gerência média retornariam também, já que seriam apenas dois os representantes de um universo de dez; o que não ocorreu devido à presença de membros do sindicato e outros colegas defendendo a soberania da decisão tomada em assembléia geral da categoria. Isso foi ontem - e hoje aconteceu o que contei acima.

Bom... depois de saber o ocorrido pensei em conversar com Fulana e confirmar se havia mesmo acontecido como me tinham contado, tentando entender o que motivava uma colega a agir assim, chamando a polícia para colegas de trabalho, com quem ela convive todos os dias - e passei à ação quando a vi só na entrada da agência.

"Nega, você chamou mesmo a polícia pros meninos?"
"Chamei sim e chamaria de novo."
"Não acredito... você tá maluca?"
"Não, mas eu quero trabalhar. Ontem eu trabalhei, vendi seguro, fiz capacidade de pagamento de cliente, trabalhei fora, mas hoje quero trabalhar na agência e ninguém pode me impedir! Nós vivemos numa democracia e ninguém pode desrespeitar isso e me impedir de trabalhar!"
"Sim, nós vivemos numa democracia, e quem está ferindo este princípio é você, veja só: foi decidido em assembléia, e nós aderimos pela maioria, e quando você desrespeita isto, está desrespeitando esta democracia que invoca..."
"Não, não é assim. Se a maioria tivesse escolhido trabalhar e alguém quisesse fazer greve, eu não ficaria aqui tentando convencê-lo a não trabalhar, eu respeitaria."
"Se a maioria houvesse escolhido trabalhar não haveria nenhum maluco aqui fora fazendo greve, Nega. Mas o que eu tô falando pra você pensar é no absurdo de você chamar a polícia pros seus colegas, pessoas com quem você trabalha no dia a dia e vai conviver depois, pensa só no estrago para o clima na agência, o que eles vão..."
"Não quero saber o que eles pensam ou vão fazer, não me interessa a opinião de ninguém!" Foi nesta hora que o meu sangue subiu de vez e pensei que devia me afastar pra não deixar acontecer um clima ainda pior, pois me conhecendo um pouquinho sei que não ia ficar calada concordando com suas opiniões radicais.
"Se não interessa a opinião de ninguém, não serei eu a perder meu tempo aqui ouvindo você!"

Claro que o tom da conversa não foi ameno - e apesar de, ao abordá-la pretender somente conversar sobre sua atitude extrema e fazê-la refletir sobre isso, não consegui manter a calma como pretendia diante de seu tom de voz e modo de argumentar; e ambas elevamos um pouco a voz. Saí de seu lado tremendo, e muito abalada - não sei se de indignação, se de decepção, do quê. E fiquei pensando nos motivos que levam uma pessoa jovem, graduada, com pós graduação em andamento, várias certificações internas, membro da ECOA (Equipe que visa melhoria do clima na agência), a tomar uma atitude como esta, que remete ao obscurantismo da idade média e à tão repudiada ditadura.

Democracia, então, só é democracia quando eu faço parte da maioria? Democracia só é democracia quando atende aos meus objetivos e anseios? Capacitação técnico-téorica realmente valida alguém para gerir equipes, lidar com pessoas, mediar situações adversas? Liderança não depende de relacionamento interpessoal? Quando você apela para a força bruta não está reconhecendo que seus argumentos são ínfimos, frágeis, pífios? E que sua capacidade de negociaçaõ é mínima? E com isso prejudicando seu relacionamento com os colegas que convivem no seu dia a dia? Qual é a importância do clima no ambiente de trabalho para uma pessoa que toma uma atitude como esta? Como ficará o clima na agência em que um colega aciona a polícia para lidar com seus pares? Como será o clima na agência onde essa mesma pessoa assumir sua primeira gestão geral?

Estas e muitas outras questões fervilham em minha mente e sinto-me absurdamente sem respostas - ou sem palavras que representem respostas satisfatórias - porque tenho medo de abrir minha mente e perceber que, no momento em que gestores e mestres apontam a valorização de talentos e conhecimento tanto quanto o clima organizacional como caminhos para o sucesso na administração contemporânea, existem pessoas caminhando na contramão de tudo isto. E na contramão do que a própria empresa onde trabalha preconiza aos seus gestores.

3 comentários:

  1. Pesadinho o clima, hein, Lu?!
    Imagino que vc tenha ficado nervosa, afinal, só de ler, revolta.

    Boa sorte na greve. Estou torcendo para que todo mundo isole a tal fulana. Fiquei de mal com ela só pelo teu texto.

    Bjooo

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  2. Bom saber, dona mãe, que eu moro com a senhora e a senhora nem me conta o que aconteceu... Fico muito feliz com isso, viu?
    Humpf.
    Bom, espero que a Fulana (você vai ter que me contar quem é!!!) perceba que pode estar fazendo uma bobeira, e que isso não prejudique o clima da agência..
    Coisa!
    Quando tiver coisas assim, você tem que me contar! Não gosto de descobrir pelo blog!
    :P

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  3. Conheci se blog através de Normélia. Adorei o que escreveu.
    É bom sabermos de que nossos companheiros são capazes. Essa situação é revoltante, passei esse texto a uns amigos de minha AG., estão todos ficaram surpresos. Sempre acontecem varios casos chatos entre colegas, mas esse superou todos q eu já havia passado. Mas é importante que esse fato não desmotivem voce e seus companheiros em nada. Boa sorte nesta luta. Sucesso!!!

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