domingo, 12 de outubro de 2008

Cenas de banco...


"Quem é Lu?"

A mulher se aproximou do ladinho da minha mesa, atrás do biombo que a separa do hall de atendimento, e perguntou baixinho pra mim.

"Sou eu." (Sorriso no rosto, marca registrada; mas na cabeça o pensamento: o que será que ela vai querer fora do contexto???)

"Eu sou Fulana, sua colega aposentada."

Meu sorriso aumenta, e meu olhar mostra a ela a minha disposição de atendê-la prontamente, o que, acredito, lhe dá confiança.

"Meu filho é Fulano, e trabalha na XXXXX (cita uma área do banco em uma grande capital)."

Meu sorriso, sincero e mostra de minha disponibilidade e boa vontade, continua. "Vim buscar o seu cartão."

"O cartão de seu filho?"

"Sim."

"A senhora tem procuração?"

Leve desconcerto no rosto, e a resposta pronta:

"Não."

"Então sinto muito. Sem procuração, não posso nem mesmo olhar se o cartão chegou."

Pequena pausa por parte dela, e volto minha atenção para o cliente que estava atendendo antes da interrupção, e que aguarda pacientemente sentado à minha frente.

"E a mulher dele, pode pegar?"

Paro novamente o atendimento ao cliente, que na verdade nem havia retomado, e olho para ela.

"Ela tem procuração?"

"Não, não tem."

Neste momento a colega da mesa ao lado avisa:

"Lu, telefone. É a colega do jurídico, e tem urgência."

Olho para a colega, aviso que já vou atender ao telefone. Olho para a colega aposentada, esperando do lado, junto as mãos num gesto que, para quem me conhece, demonstra o quanto estou achando esta situação absurda, e respondo com toda educação: "SE a senhora é funcionária aposentada, SE o seu filho é funcionário na ativa, a senhora não devia nem estar aqui, não é mesmo? Sabe que sem procuração não posso entregar."

Olho para o santo cliente à minha frente e peço, com gentileza: "só um minutinho mais, por favor." E me levanto para atender ao telefone na mesa ao lado, já que a minha está sem aparelho.

Dou dois passos rumo ao telefone e a mulher, indignada, aumenta o tom de voz: "que palhaçada é esta? Se sempre peguei, por que não vou pegar agora?"


Pela minha cabeça passaram várias coisas: que ela foi funcionária e devia no mínimo saber as regras da empresa e sobre sigilo bancário e segurança; que se o filho dela pediu que ela viesse buscar o cartão ele deve ser de alguma área de apoio, pois alguém da ativa e no atendimento a clientes jamais pensaria em colocar um colega numa situação conflitante como esta; que se ela é aposentada poderia ter procurado um outro colega que a conhecesse, já que na agência há muitos colegas com longa data de localização, e que esse colega poderia, conhecendo-a, assumir o risco de entregar o cartão e depois pegar a assinatura do filho dela no termo de entrega; que talvez por isso mesmo ela não tenha procurado nenhum outro colega; que é extremamente cansativo trabalhar num local e numa função onde o colega anterior esteve por mais de trinta anos e conhece até os futuros netos dos clientes e não primava por seguir as normas de trabalho da empresa; que já é a quarta pessoa só nesta manhã a me questionar por recusar fazer procedimentos em desacordo com as normas como o outro colega fazia; que tô cansada disso; que... ai, ai.


Paro antes de chegar ao telefone e me volto, devagar, segurando as palavras, para a cliente, colega aposentada. O sorriso já tinha ido e voltado, o humor também. Penso bem em que palavras utilizar, e apesar do tom de bom humor, porque no final acabei achando divertido ter que explicar para alguém que com certeza trabalhou na empresa muito mais tempo do que eu já tenho, acho que não sou muito feliz:

"Sim, senhora, eu sei que a senhora até pode ter feito isto sempre. Acontece que o outro colega, por conhecer todo mundo, entregava cartões ao filho, ao cunhado, ao papagaio, ao vizinho... e ele assumia a responsabilidade por agir fora do que o banco manda. Eu não."


Óbvio que a mulher ficou irada. Olhou-me de cima a baixo:

"É, só que eu não tenho nem leve semelhança com um papagaio!"


Começo a rir francamente, porque a situação realmente atingiu nível alto de hilariedade pra mim neste ponto:

"Senhora, foi só figura de linguagem. O que eu queria dizer é que..." e paro. Ela já tinha dado meia volta e se dirigido à escada, resmungando irritada.


Mais tarde fico sabendo que foi se queixar de mim à outra colega, que conhecia há tempos, de quando ainda estava na ativa. E me pergunto: porque, afinal, não foi pedir o cartão a esta colega? Teria nos poupado tempo e dissabores. Mas também este episódio que, no final das contas, foi divertido.

3 comentários:

  1. (vingancinha de ter corrigido o meu blog)

    hehehe

    sou má!

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  2. "...e apesar do tom de bom humor, porquê no final acabei achando divertido..."
    (vestibulanda diz): "Porquê", junto e com acento, tem função de substantivo, e deve ser usado como tal (o porquê). No caso acima, seria mais correto utilizar o "porque", junto e sem acento, indicando explicação ou causa, e equivalente a pois, como, já que.

    ;)

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  3. Olha, mãe, a senhora, mais que ninguém, sabe que eu sei bem pelo que a senhora passa... Afinal, tardes e mais tardes entregando cartões me dão alguma autoridade para dizer: "Sim, eu sei o que é isso". E nessa cidade... por favor! Que povinho, viu.
    E se aquela dentista me aparece pela frente...

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