terça-feira, 28 de abril de 2015

Resumos

Conversavam, os três, de pé em frente à sala de alfabetização para adultos onde ela atuava como voluntária. Havia retornado há pouco para a cidade, e sua melhor amiga tinha trazido o namoradinho de infância para revê-la.
O ano era 1980.
O assunto, projetos de vida.
E quando ela disse que pretendia ser mãe pelos trinta, depois de ter se formado, viajado bastante e se estruturado financeiramente (sonhar não custava nada, e é sempre tão bom na adolescência!), veio o diálogo:
"Não precisa se preocupar com isto, seu marido se preocupará."
"Não, não pretendo me casar".
"Ué, mas você não quer ser mãe?"
"E quem disse que pra ser mãe tem que casar?"
O silêncio que veio mostrou a ela como seu pensamento era "inadequado" aos tempos que corriam.
O tempo mostrou como estava errada.
Aos vinte engravidou. Casou. Com o melhor amigo. Que em algum momento havia passado a ser também um grande amor. E apesar de não acreditar em casamento, ela sempre acreditou no amor. Que não precisa de certificados para ser real, verdadeiro, válido.
A vida seguiu seu curso e, dez anos depois, se separaram.
Os motivos não importam, a dor maior foi perder o grande amigo de sempre.
A vida seguiu e agora ela tinha certeza de que viajaria o mundo, sozinha.
Sempre foi "a" criativa, "a" rebelde, "a" ousada da família. De onde estaminina tirava estas ideias? Ninguém tinha respostas, nem ela.
Mas as contas se acumulavam, e em épocas pré internet e blogs viajantes, não imaginava outra forma de se sustentar sem um trabalho formal. Assim, cedeu ao sistema.
Por outro lado, continuou sozinha, alternando breves amores. Até que conheceu aquele que mostrou que a vida é melhor a dois. Que provou por a+b que valia a pena abrir mão do que acreditava em nome de um grande amor, porque os dias assim eram mais felizes. E se entregou, e desejou casar e acordar todo dia nos seus braços. Por quase nove anos, a um grande amor vivido em sua maior parte à distância. Mas o coração é frágil, e os medos traiçoeiros. E quando a distância seria vencida, e a vida se anunciava perfeita, foi invadida por eles.. Medos irracionais e inexplicáveis. De que não fosse dar certo, de que as mudanças eram muitas, de que... ela nem sabe direito. E jogou fora este grande amor.
Não pensou na dor que ele sentiria, e mesmo ela sentiria.
Só que ele, ao contrário dela, sempre quis se casar. E quando se viu assim, abandonado e perdido, se entregou a outro amor. Que curou suas dores. E com quem se casou um ano depois.
Ela? Está tentando resgatar o que perdeu de si no decorrer destes nove anos. Aos poucos se torna inteira novamente.

Roupa Nova, De volta pro futuro é a trilha sonora deste texto.

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