terça-feira, 28 de junho de 2011

Cotidiano

O dia abafado tinha começado errado – o filho de seis meses havia acordado febril e choroso, demandando mais cuidado e atenção que de costume; a vizinha que adorava conversar apareceu pra um chimarrão fora de hora; o gás acabou quando o almoço ainda estava pela metade.
Este, terminado às pressas, às pressas foi servido para as filhas, que já estavam com o tempo estourado para a escola.
A menor, de cinco anos, olha pra mãe e diz:
“mãezinha, tenho que terminar a tarefa que a tia mandou.”
“Como assim, terminar a tarefa, filha??? Você não fez tudo pela manhã???”
“Faltou grampear.”
A mãe corre até a prateleira onde fica o material de apoio da escola - a sensação de urgência e os cabelos que caíam pela nuca aumentavam o calor e a irritação.
Na mesa da sala, as duas filhas pequenas encostadas, apoiadas nas mãos, esperavam.
Ela chega, pega o trabalho e o grampeador não funciona.
Um pouco mais irritada volta até a caixa, pega grampos e abastece o grampeador – que novamente não funciona.

“Mana”, diz a mais velha se afastando, “vamos pra lá que a mãe tá irritada.”
Incontinenti, senta no degrau da escada que leva ao pavimento superior e fica quieta, já conhece a mãe, sabe quando está prestes a perder a paciência.
A irmã, ao contrário, continua onde estava, observando a mãe que luta em vão pra consertar o grampeador antigo, propriedade querida do pai desde os seus tempos de infância.

“Mãe, você tá irritada?”

A mãe, sem pensar, levanta a mão com o grampeador e arremessa, com força.
Não na filha, mas numa trajetória perigosamente perto, rumo à parede onde ele se despedaça em mil pedacinhos.
A filha, estrategicamente sai e, sentada ao lado da mais velha, diz:
“É, mana, a mãe tá irritada.”
Ri.
Não sabe se de susto por ter feito aquilo sem pensar, correndo o risco de acertar a pequena; se de susto ao perceber que, no ímpeto da irritação havia destruído o grampeador de estimação do marido; se pelo simples fato de ter quebrado algo deliberadamente, coisa que nunca havia feito; se pela tranquilidade da filha constatando sua irritação gratuita.
Não sabe bem porque, mas a irritação acabou.
Desapareceu, por encanto.

Pega o trabalho, as filhas, as mochilas das filhas, as lancheiras das filhas, o filho acomodado no bebê conforto, coloca tudo no carro e parte rumo à escola.
Um dia comum na sua vida.

2 comentários:

  1. Eu sempre tive a sensibilidade mais aguçada!!! hahaha
    "se pelo simples fato de ter quebrado algo deliberadamente, coisa que nunca havia feito e nunca mais se repetiu" - lapsos de memória momentânea ou eterna!?

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  2. rssss... acho que vou começar a moderar os comentários...rssss...
    Me diga, vai, quando foi que quebrei outra coisa deliberadamente??? Afff, viu????

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